“Nessa reunião - prosseguiu Teabing -, foram discutidos e votados muitos aspectos do cristianismo: a data da Páscoa, o papel dos bispos, a administração dos sacramentos e, claro, a divindade de Jesus.

- Não estou entendendo. A divindade de Jesus?

- Minha querida - disse Teabing -, até àquele momento da História, Jesus tinha sido visto pelos seus seguidores como um profeta mortal... um grande homem, e poderoso, mas apesar de tudo um homem. Um mortal.

- Não como o Filho de Deus?

- Exatamente. O estabelecimento de Jesus como ‘Filho de Deus’ foi oficialmente proposto e votado no Concílio de Nicéia.” [1]

Dan Brown, O Código da Vinci, p. 221

Dan Brown, em sua obra ficcional O Código da Vinci acima citada, ajudou a popularizar a ideia equivocada de que a fé na divindade de Jesus (uma das doutrinas basilares do Cristianismo) foi criada por Constantino, imperador romano do século IV. Tal criação se deveu a fins meramente políticos: Constantino convocou um concílio que criou uma mescla da religião cristã e pagã, a fim de unificar o império sob seu poder.

Alguns grupos religiosos heréticos que negam a divindade de Jesus, como as Testemunhas de Jeová, ensinam a mesma posição:

“Constantino queria união no seu domínio, e em 325 E.C. convocou um concílio de seus bispos em Nicéia ... Depois de ferozes debates, desse nada representativo concílio surgiu o Credo de Nicéia, com sua forte inclinação para o pensamento trinitarista. Com o decorrer dos séculos, um dos resultados do ensino da Trindade foi que o único Deus verdadeiro, Jeová, tem sido afundado no atoleiro da teologia do Deus-Cristo da cristandade.” [2]

Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, O Homem em Busca de Deus, p. 276-277

 Mas afinal, o que ocorreu em Nicéia em 325 d.C.? O Concílio de Niceia reuniu bispos cristãos para discutir o Arianismo, conjunto de doutrinas ensinadas por Ário, teólogo do século IV que propagava que Cristo era o maior dos seres criados, um ser divino ou um deus (com d minúsculo), mas não o Deus Todo-Poderoso. Ao invés de criar uma nova doutrina, o Concilio de Nicéia sistematizou e reafirmou o que até então era o ensino ortodoxo da Igreja: que o Filho (Cristo) era da mesma substância que o Pai. [3]

As próprias Escrituras do Novo Testamento são bastante claras quanto ao status de Jesus como plenamente divino e humano, a segunda pessoa da Trindade que se fez homem e veio morrer em nosso lugar. Inúmeras passagens bíblicas chamam a Jesus de Deus (grego Theos) e lhe atribuem títulos e obras divinas. [4]

Na conclusão de sua primeira carta aos Coríntios, Paula ora em aramaico ‘Maranata’, que significa ‘Venha Senhor’. Ele ecoa uma oração aprendida quando visitou a Igreja de Jerusalém, uma comunidade fortemente judaica, poucos anos após a morte de Cristo. Os judeus oravam apenas a Deus, jamais a mestres ou profetas já mortos. Não orariam a um rabi morto para que ele voltasse. Essa oração aponta claramente que em data bastante remota, os primeiros cristãos judeus já incluíam a pessoa de Jesus em sua compreensão monoteísta da divindade. [5] 

Veremos a seguir evidências extra-bíblicas, anteriores ao Concílio de Nicéia, que demonstram a antiguidade da crença cristã na divindade de Jesus e na Trindade.

Didaquê (60-90 d.C.):

“Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo. Se não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma ou outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo.” [6]

Didaquê 7.1-3

Inácio de Antioquia (67-110 d.C.):

“Sejam submissos ao bispo e também uns aos outros, assim como Jesus Cristo se submeteu, na carne, ao Pai, e os apóstolos se submeteram a Cristo, ao Pai e ao Espírito, a fim de que haja união, tanto física como espiritual.” [7]

Epístola aos Magnésios 13.1-2.

 “Pois o nosso Deus, Jesus Cristo, foi, segundo o desígnio de Deus, concebido no ventre de Maria, da semente de Davi, mas pela ação do Espírito Santo.” [8]

Epístola aos Efésios 18.2.

Carta de Barnabé (100-130 d.C.):

“Ainda o seguinte, meus irmãos: se o Senhor [Jesus] suportou sofrer por nós, embora fosse o Senhor do mundo inteiro, a quem Deus disse desde a criação do mundo: ‘façamos o homem à nossa imagem e semelhança’, como pode ele suportar sofrer pela mão dos homens?”  [9]

Carta de Barnabé 5.5.

Justino Mártir (100-165 d.C.):

“Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho da regeneração com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo.” [10]

I Apologia 61.3.

 “Aprendemos que ele é o Filho do próprio Deus verdadeiro, e o colocamos em segundo lugar, assim como o Espirito profético, que pomos no terceiro. De fato, tacham-nos de loucos, dizendo que damos o segundo lugar a um homem crucificado, depois do Deus imutável, aquele que existe desde sempre e criou o universo. É que ignoram o mistério que existe nisso e, por isso, vos exortamos que presteis atenção quando o expomos.” [11]

I Apologia 13.1, 3-6..

 “A ele (o Deus verdadeiro) e ao Filho, que dele veio e nos ensinou tudo isso ... e ao Espírito profético, nós cultuamos e adoramos, honrando-os com razão e verdade, e ensinando generosamente, a quem deseja sabê-lo a mesma coisa que aprendemos.” [12]

I Apologia 6.1-2.

 Taciano, o Sírio (120-180 d.C.):

“Nós não estamos, ó gregos, bancando o tolo nem falando tolices quando dizemos que Deus nasceu na forma humana.” [13]

Discurso aos Gregos 21.

 Teófilo de Antioquia (120-186 d.C.):

“Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade: de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria.” [14]

Segundo Livro a Autólico 15.

Irineu de Lyon (130-202 d.C.):

“Com efeito, a Igreja espalhada pelo mundo inteiro até os confins da terra recebeu dos apóstolos e seus discípulos a fé em um só Deus, Pai onipotente, que fez o céu e a terra, o mar e tudo quanto nele existe; em um só Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nossa salvação; e no Espirito Santo que, pelos profetas, anunciou a economia de Deus. [15]

Contra as Heresias I.10.1.

(...) Que antes que houvesse a criação o Verbo, isto é, o Filho, sempre estivesse com o Pai, demonstramo-lo amplamente; como também estava a Sabedoria, que outro não é senão o Espirito.” [16]

Contra as Heresias IV.20.3

Desde sempre, de fato, ele [Deus Pai] tem junto de si o Verbo e a Sabedoria, o Filho e o Espírito. É por meio deles e neles que fez todas as coisas, soberanamente e com toda a liberdade, e é a eles que se dirige quando diz: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. [17]

Contra as Heresias IV.20.1.

Atenágoras (133-190 d.C.):

“Como não se admiraria alguém de ouvir chamar ateus os que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e o Espírito Santo, ensinando que o seu poder é único e que sua distinção é apenas distinção de ordens?” [18]

Petição em Favor dos Cristãos 10.

“Os cristãos reconhecem a Deus e a Seu Logos. Eles também reconhecem o tipo de unicidade que o Filho tem com o Pai e que tipo de comunhão o Pai tem com o Filho. Ademais, eles sabem o que é o Espírito e que a unidade é [formada] destes três: o Espírito, o Filho e o Pai.” [19]

Súplica pelos Cristãos XI

“Nós reconhecemos um Deus, um Filho e um Espírito Santo, os quais são unidos na essência.” [20]

Súplica pelos Cristãos XXIII

Clemente de Alexandria (150-215 d.C.):

“Só ele [Jesus] é ao mesmo tempo Deus e homem, e a fonte de todas as nossas boas coisas.” [21]

Exortação aos Gregos 1.7.1.

Tertuliano (160-220 d.C.):

“Nós cremos em um único Deus, contudo sujeito a esta dispensação, que é nossa palavra para designar economia, e que o único Deus tem um Filho, Sua Palavra, que procedeu dEle mesmo... e este Filho enviou então o Espírito Santo, o Paracleto, de acordo com Sua promessa, a partir do Pai (...) O mistério da economia, que distribui a unidade na Trindade, apresentando o Pai, Filho e Espirito como Três.” [22]

Adversus Praxean II

“Somente Deus é sem pecado. O único homem é sem pecado é Cristo, pois Cristo é também Deus.” [23]

Sobre a Alma 41.3.

Hipólito (170-235 d.C.):

“Deus, subsistindo só, e não tendo nada contemporâneo com Ele, determinou criar o mundo. E concebendo o mundo em mente, e legislando e proferindo a palavra, Ele o fez; e de imediato ele apareceu, formado como tinha O agradado. Para nós, então, é simplesmente suficiente saber que nada tinha de coevo com Deus. Ao lado dele não havia nada; mas Ele, enquanto existindo só, contudo existia em pluralidade.” [24]

Contra Noeto 10-11

“A Terra é movida por estes três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.” [25].

Artigos Relacionados

Triunidade Triunidade
Os unicistas afirmam que todas as religiões que batizam seus fiéis em nome do Pai, do Filho e do...
Os Batistas Do Sétimo Dia Não São Politeístas Os Batistas Do Sétimo Dia Não São Politeístas
Devemos batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Ou em nome de Jesus? Muitos grupos...
Jesus existiu? 31 fontes antigas que respondem ‘Sim’! Jesus existiu? 31 fontes antigas que respondem ‘Sim’!
Não há alguém mais popular do que Jesus em toda a história humana. Mais livros foram escritos, mais...
Sobre a divindade de Jesus
Segundo Allan Kardec, "das suas afirmações espontâneas, deve-se concluir que ele não era Deus, ou...

Fragmentos de Comentários, 10

“Qualquer um que omitir um destes três, falha em glorificar a Deus de um modo perfeito. Pois é através desta triunidade que o Pai é glorificado.” [26].

Contra Noeto 14

Orígenes (185-254 d.C.):

“Embora ele fosse Deus, assumiu a carne; e tendo se tornado homem, permaneceu como era: Deus”. [27]

Doutrinas Fundamentais 1.0.4

 Esta é uma pequena amostra de citações dos Pais da Igreja que demonstram que a divindade de Jesus sempre foi questão de fé para os cristãos. Essa doutrina é extremamente relevante: temos um Deus que se tornou como um de nós e experimentou nossas lutas, angústias, sofrimentos e tentações, enfrentando até a própria morte – e a vencendo por nós. Um dia, entoaremos com toda a criação:

“Tu és digno ... pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra. ... Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor! ... Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o poder, para todo o sempre. ... Amém!”

Apocalipse 5.9-14

Fabricio Luís Lovato

 

Referências bibliográficas

[1] Dan Brown, O Código da Vinci, p. 221.

[2] Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, O Homem em Busca de Deus, p. 276-277.

[3] Millard J. Erickson, Dicionário Popular de Teologia, p. 19, 135.

[4] Para uma defesa bíblica da doutrina da Trindade, veja: Robert M. Bowman Jr, Por Que Devo Crer na Trindade, Arte Editorial & Candeia, 2008.

[5] Hershel Shanks e Ben Whiterington III, O Irmão de Jesus, p. 237-238.

[6] Didaquê 7.1-3.

[7] Epístola aos Magnésios 13.1-2.

[8] Epístola aos Efésios 18.2.

[9] Carta de Barnabé 5.5.

[10] I Apologia 61.3.

[11] I Apologia 13.1, 3-6.

[12] I Apologia 6.1-2.

[13] Discurso aos Gregos 21.

[14] Segundo Livro a Autólico 15.

[15] Contra as Heresias I.10.1.

[16] Contra as Heresias IV.20.3.

[17] Contra as Heresias IV.20.1.

[18] Petição em Favor dos Cristãos 10.

[19] Súplica pelos Cristãos XI.

[20] Súplica pelos Cristãos XXIII.

[21] Exortação aos Gregos 1.7.1.

[22] Adversus Praxean II

[23] Sobre a Alma 41.3

[24] Contra Noeto 10-11

[25] Fragmentos de Comentários, 10

[26] Contra Noeto, 14

[27] Doutrinas Fundamentais 1.0.4

Artigos Relacionados

Existem apóstolos nos dias de hoje? Existem apóstolos nos dias de hoje?
Nas últimas décadas, especialmente dentro de algumas alas do movimento Pentecostal/Neopentecostal,...
Analisando 10 “Fake News” sobre o Natal Analisando 10 “Fake News” sobre o Natal
1) ANO DO NASCIMENTO? Jesus não nasceu no ano zero (até porque não existe esse ano; 1 a.C. passa...
Jesus: O Centro das Promessas do Antigo Testamento Jesus: O Centro das Promessas do Antigo Testamento
Jesus Cristo é o cumprimento das promessas e profecias do Antigo Testamento. Ele é a semente...
Jesus e o Yom Kippur Jesus e o Yom Kippur
Milhões de judeus em todo o mundo celebram anualmente o "Yom Kippur" (o "Dia da Expiação"). Essa...

Envie suas perguntas