Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta,

Apocalipse 1:10

Qual foi o “dia do Senhor” em que o apóstolo João foi “arrebatado no Espírito” e recebeu as visões do Apocalipse? Muitos comentaristas bíblicos citam esse texto como uma evidência a favor da guarda do primeiro dia da semana (o Domingo), em contraposição ao sétimo dia do quarto mandamento. É fato que a partir de meados do segundo século, a expressão “dia do Senhor” (“kuriake hemera”) passou a ser aplicada ao dia da ressurreição de Cristo (como no apócrifo “Evangelho de Pedro”, 9-12; ANF. v. 9). Mas será que esse foi o significado original quando João escreveu seu livro? Isso não pode ser afirmado dogmaticamente.

Autoridades evangélicas afirmam que João escreveu seu evangelho depois do Apocalipse, situando-o entre 96 e 99 d.C. Pode-se citar a esse respeito Albert Barnes, em suas Notas Sobre os Evangelhos; John Beatty Howell, em sua tabela de datas; W. W. W. Rand, em seu Dicionário Bíblico; e comentaristas como Bloomfield, Dr. Hales, Horne, Nevinse, Olshausen, Williston Walker e outros. Isso é importante, pois se João, no Apocalipse, escrito antes, se refere ao Domingo como “dia do Senhor”, como então no seu evangelho, escrito posteriormente, volta a referir-se simplesmente ao “primeiro dia da semana” (João 20:1 e 19)? Os evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), escrevendo seus evangelhos sempre depois do ano 60, mais de 30 anos após a ressurreição, também referem-se ao primeiro dia meramente como “o primeiro dia da semana”, sem nenhum título da santidade ou caráter especial.

Em seu livro “The Ten Commandments”, diz o Presbiteriano Dr. R. W. Dale: “Não há, no Novo Testamento, uma única sentença indicando que estamos sujeitos a qualquer penalidade por violação à suposta santidade do domingo. No repouso dominical, não entra a lei divina.” (p. 129)

Na obra “Theology Explained and Defended”, de Timothy Dwight, lemos: “O sábado cristão (domingo) não se encontra nas Escrituras, e não era chamado ‘o sábado’ pela igreja primitiva.” (Ed. de 1818, vol. 4, nº 107, pág. 49)

O Dr. Peter Heylyn, no seu livro “History of the Sabbath”, declara: “Recorrei a quem quiserdes, sejam os pais primitivos ou os autores modernos, não encontrareis nenhum dia do Senhor (Domingo) instituído por qualquer ordenação apostólica, nenhum movimento sabático iniciado por eles com relação ao primeiro dia da semana.” (Ed. de 1636, parte 11, cap. 1, par. 10, p. 28)

O Dr. Harris Franklin Rall, Metodista, faz esta declaração no “Christian Advocate”: “Vejamos a questão do Domingo … não há nenhuma passagem dizendo aos cristãos para observarem este dia.” (2 de julho de 1942)

Diversos escritores acreditam que o “dia do Senhor” em Apocalipse 1:10 se refere ao período de julgamentos ao qual João foi levado em visão. A expressão “dia do Senhor” é muito comum no Antigo Testamento, referindo-se a qualquer tempo em que Deus venha em juízo contra seus inimigos. Como afirma o teólogo Anthony A. Hoekema, “às vezes, nos escritos proféticos, o dia do Senhor é considerado como um dia no futuro próximo, quando Deus trará destruição repentina para os inimigos de Israel. Obadias, por exemplo, prediz a ruína de Edom como a chegada do dia do Senhor (vs 15-16). Entretanto, o dia do Senhor pode também referir-se a um dia final, escatológico, de juízo e redenção. Às vezes - e este é outro exemplo da perspectiva profética - um dia do Senhor próximo e um distante são vislumbrados juntos, na mesma visão. Isaías 13 por exemplo, fala de um dia do Senhor no horizonte não tão longínquo, quando Babilônia será destruída (vs 6-8,17-22). No mesmo capítulo, porém, espalhado entre descrições da destruição de Babilônia, encontramos referências ao dia escatológico do Senhor [...] Muito frequentemente, porém, a expressão ‘o dia do Senhor’ é usada pelos profetas para retratar um dia final, escatológico, de visitação. Às vezes o dia do Senhor significa juízo para Israel” (A Bíblia e o Futuro, p. 13-14)

O clérigo Anglicano e Professor de Estudos Bíblicos E. W. Bullinger, em seu “Commentary on Revelation” (Comentário sobre o Apocalipse), explica:

“No Novo Testamento, esse dia [Domingo] é sempre chamado ‘o primeiro dia da semana’. (Ver Mateus 28:1; Marcos 16:2 9; Lucas 24:1; João 20:1, 19; Atos dos Apóstolos 20:7; 1 Coríntios 16:2). Não é estranho que, neste único lugar, se pense que uma expressão diferente seja usada para se referir ao mesmo dia? E, no entanto, os comentaristas têm tanta certeza de que ela significa “Domingo”, que alguns chegam a dizer que era o ‘Domingo de Páscoa’ e é por essa razão que Apocalipse 1:10-19 é escolhido no Novo Lecionário da Igreja da Inglaterra como a segunda lição da manhã do Domingo de Páscoa.

Não há nenhuma evidência de que o ‘primeiro dia da semana’ tenha sido chamado de ‘o Dia do Senhor’ antes de o Apocalipse ser escrito. [...]  Os ‘pais’ gregos da Igreja eram convertidos do paganismo: e ainda não é suficientemente reconhecido quanto dos ritos, cerimônias e expressões pagãs eles introduziram na Igreja; e até que ponto o ritual cristão foi elaborado e baseado no ritual pagão da Igreja de Roma. Especialmente isso é visto no caso do batismo. [...] É estranho que, se João chamou o primeiro dia da semana de ‘Dia do Senhor’, não encontramos vestígios do uso desse título até cem anos depois. [...]

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A primeira ocorrência da expressão (que é a chave do seu significado) está em Isaías 2:11. É o dia em que ‘os olhares altivos do homem serão humilhados, e a arrogância dos homens será abatida, e somente o Senhor será exaltado.’ Esse é o grande objeto de todos os eventos futuros, visto por João em visão, e registrado para nós no Apocalipse.”

O teólogo Batista do Sétimo Dia Lester G. Osborn também argumenta que o texto discutido menciona “não o domingo, mas o ‘dia do Senhor’, o período de julgamento do qual João escreve e no qual foi arrebatado pelo Espírito Santo.” (Sábado: Santo Dia de Deus, 2005, p. 25)

Mas caso João esteja realmente se referindo a um dia da semana, o que a maioria dos comentaristas atuais aceita, de Gênesis a Apocalipse há apenas um dia que é denominado como “do Senhor”:

Amanhã é repouso, o santo sábado do Senhor

Êxodo 16:23

Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus

Êxodo 20:10

Se você vigiar seus pés para não profanar o sábado e para não fazer o que bem quiser em meu santo dia; se você chamar delícia o sábado e honroso o santo dia do Senhor, e se honrá-lo, deixando de seguir seu próprio caminho, de fazer o que bem quiser e de falar futilidades, então você terá no Senhor a sua alegria, e eu farei com que você cavalgue nos altos da terra e se banqueteie com a herança de Jacó, seu pai. Pois é o Senhor quem fala.

Isaías 58:13-14

Porque o Filho do homem até do sábado é Senhor.

Mateus 12:8

Assim o Filho do homem até do sábado é Senhor.

Marcos 2:28

E então lhes disse: ‘O Filho do homem é Senhor do sábado.

Lucas 6:5

Encerramos esse estudo concordando com as palavras de W. B. Taylor, um destacado oponente do Sábado:

“Se a intenção [de João] era se referir a um dia semanal, o único que caberia em tal definição, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, é o sábado, o sétimo dia da semana.” . (The Obligation of the Sabbath, p. 296)

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