O Novo Testamento sempre apresenta a fé em Jesus Cristo e o arrependimento de pecados como condições necessárias para a ordenança do batismo. Além disso, as evidências bíblicas, históricas e arqueológicas demonstram que a imersão (ao invés da aspersão ou efusão) foi a forma de batismo praticada na igreja por muitos séculos (veja os seguintes artigos: Por que não batizar crianças?, Declaração de Fé: O Batismo e O Batismo Cristão: Aspersão, Efusão ou Imersão?). Por essas e outras razões, os Batistas (incluindo os Batistas do Sétimo Dia) e outras denominações não praticam o batismo de bebês.

Os pedobatistas (os cristãos que praticam o batismo infantil) afirmam, porém, que sua prática era disseminada na igreja primitiva e que remonta aos próprios apóstolos. Vários dos pais da Igreja (os primeiros teólogos cristãos) são citados como fornecendo autoridade à tal prática. Mas, além do fato de que qualquer doutrina deve ser sustentada unicamente com base nas Escrituras (esse é o lema “Sola Scriptura” da Reforma Protestante), será que os escritos desses cristãos primitivos suportam de fato a prática do batismo infantil? Vamos analisar essa questão ao longo desse estudo.

Antes de iniciar, gostaria de ressaltar um ponto: eu aceito de forma plena os pedobatistas (como Luteranos, Presbiterianos e Metodistas) como meus irmãos na fé em Jesus Cristo. Portanto, essa não é uma discussão sobre quem é ou não um verdadeiro crente, e sim, sobre qual é a melhor forma de entendermos e praticarmos a “boa, perfeita e agradável vontade de Deus”, que é o objetivo de todos nós.

Didaquê (60-90 d.C.)

“Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.” [1]

Esta primitiva obra cristã fornece mais detalhes sobre o batismo do que qualquer outra dos séculos I ou II. Ela ordena o jejum para o batizando, o que não seria de esperar que fosse realizado por bebês. O falecido teólofo Paul K. Jewett pergunta: “como é que vamos explicar a omissão de qualquer referência ao pedobatismo neste manual primitivo sobre o uso adequado do batismo?” [2]

Justino Mártir (100-165 d.C.)

Segundo Justino Mártir, “entre nós há muitos homens e mulheres que, tornando-se discípulos de Cristo desde crianças, permanecem incorruptos até os sessenta e setenta anos. E eu me glorio de mostrá-los entre toda a raça dos homens.” [3]

Os pedobatistas utilizam essa citação como suporte para o batismo infantil. Mas os Batistas não negam que se uma criança é madura o suficiente para se tornar um “discípulo de Cristo”, então ela é apta para o batismo.

“Visto que a expressão ek paidon pode se referir a crianças que haviam alcançado os anos de entendimento, estou satisfeito em rever o testemunho de Justino Mártir, asseverando que esse testemunho não pode ser utilizado como argumento em favor do pedobatismo.” [4]

Além disso, deve-se destacar que muitos dos cristãos primitivos só receberam o batismo na maioridade, mesmo tendo nascido em famílias cristãs. Podemos citar como exemplos Atanásio, Basílio, Clemente de Alexandria, Hipólito, Gregório de Nissa, Crisóstomo, Jerônimo e o próprio Agostinho [5]. Se o batismo infantil era uma ordenança apostólica, por que esses homens esperaram até a fase adulta de suas vidas para serem batizados?

Em outro texto da mesma obra, Justino descreve quem eram os candidatos apropriados para o batismo:

“Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos em primeiro lugar para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo.” [6]

Estaria um bebê capacitado a se convencer, acreditar, ser instruídos, jejuar, orar e pedir perdão por seus pecados?

Epístola de Barnabé (120-130 d.C.)

“‘Havia um rio que corria, vindo da direita, e árvores esplêndidas hauriam dele seu crescimento. Qualquer pessoa que delas comer, viverá eternamente’. Isso significa que descemos para a água carregados de pecados e poluição, mas subimos dela para dar frutos em nosso coração, tendo no Espírito o temor e a esperança em Jesus. ‘Quem comer deles viverá eternamente’, quer dizer: quem escutar, quando tais palavras são ditas, e crer nelas, viverá eternamente.” [7]

A epístola de Barnabé nada afirma acerca de batizar bebês. Ou poderia um bebê subir das águas batismais com o “temor a esperança em Jesus”, “escutar as palavras e crer nelas”?

Irineu (130-202 d.C.)

“Ele [Jesus] veio para salvar a todos através dele mesmo, isto é, a todos que através dele são renascidos em Deus: bebês, crianças, jovens e adultos. Portanto, ele passa através de toda idade, torna-se um bebê para um bebê, santificando os bebês; uma criança para as crianças, santificando-as nessa idade...; ele pode ser o mestre perfeito em todas as coisas, perfeito não somente manifestando a verdade, perfeito também com respeito a cada idade.” [8]

Os pedobatistas afirmam aqui que “renascer” é utilizado como sinônimo para o batismo, pois o termo é assim usado em escritos do terceiro século. Para Everett Ferguson,

“Antes de nos precipitarmos em aceitar uma referência ao batismo infantil aqui, devemos ser cautelosos”. Ferguson argumenta que Irineu usa o termo “renascer” para a “a obra de Jesus de renovação e rejuvenescimento concretizada pelo seu nascimento e ressurreição, sem qualquer referência ao batismo. … A vinda de Jesus trouxe um recomeço a toda a raça humana. Ele santificou todas as idades da vida. Aceitar sua renovação ao ser batizado é outra questão e cai fora do âmbito desta passagem.” [9]

Essa visão sobre Irineu foi também aceita por teólogos pedobatistas como Kurt Aland. [10]

Conforme o teólogo e historiador Karl Rudolf Hagenbach, “as passagens das Escrituras que alguns imaginam inferir que o batismo infantil tornou-se uma prática da igreja cristã primitiva são duvidosas nesse assunto e não provam coisa alguma. Nem mesmo a mais antiga passagem que ocorre nos escritos dos Pais (Irineu, Adv. Haer., 2.22) oferece qualquer prova decisiva. Somente expressa a beleza do conceito de que Jesus era o Redentor em e para cada etapa da vida.” [11]

Pastor de Hermas (século II d.C.)

“Queres saber quem são aquelas [pedras] que caem junto da água, mas não conseguem rolar para dentro dela? São aqueles que ouviram a palavra de Deus e querem ser batizados em nome do Senhor. Contudo, quando tomam consciência da pureza que a verdade exige, mudam de opinião e voltam novamente para seus desejos perversos.” [12]

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Hermas coloca o ouvir a Palavra de Deus, o arrependimento e a pureza como condições para o batismo, excluindo portanto os bebês.

Tertuliano (160-220 d.C.)

Com Tertuliano, agora no começo do terceiro século, nós temos a mais clara e antiga referência ao batismo infantil. E ela ainda acontece em tom crítico. Tertuliano escreveu o primeiro tratado completo sobre o batismo, “De Baptismo”.

“Por conseguinte, tendo em conta as circunstâncias e a vontade, até mesmo a idade de cada pessoa, o adiamento do batismo é mais vantajoso, em particular, no entanto, no caso de crianças. ... O Senhor, na verdade diz: ‘Não as impeçais de vir a mim’ (Mateus 19). Que venham, então, enquanto elas estão crescendo; venham enquanto estão aprendendo, enquanto elas estão sendo ensinadas para onde devem vir; deixai-as tornarem-se cristãs, quando elas foram capazes de conhecer a Cristo. Por que se apressa a idade da inocência para a remissão dos pecados?”  [13]

Tertuliano se posicionou de forma contrária ao batismo infantil, sendo a favor do batismo de crentes. Na virada do terceiro século, o batismo de bebês não é dado como certo, como será 200 anos depois com Santo Agostinho. Tertuliano fala como se a prática estivesse em disputa, possivelmente como um desenvolvimento recente. Se ele pensava que o batismo infantil fosse uma ordenança apostólica, não teria se posicionado contra ela.

Segundo o historiador Phillip Schaff, “o batismo de crianças ainda não era recomendado na época, mas deixado à opinião dos pais cristãos. De outro modo, Tertuliano não o teria contestado com tanta determinação.” [14]

Conclusão

O batismo infantil não foi a prática dos cristãos primitivos no período entre os apóstolos e o início do século III. A partir de então, pais da igreja como Cipriano, Orígenes e Agostinho o aprovaram, com Orígenes declarando que o batismo infantil “é uma coisa que causa frequentes questionamentos entre os irmãos”. Somente nos séculos V e VI, depois da morte de Agostinho, o batismo infantil tornou-se um costume firmemente estabelecido na igreja. Nas palavras do historiador alemão L. Lange, “tem de ser admitido por todo leitor das Escrituras e das antiguidades cristãs que o batismo de crianças recém-nascidas era totalmente desconhecido para a cristandade primitiva.” [15]

Referências

[1] Didaquê 7:4.

[2] Paul King Jewett, Infant Baptism and the Covenant of Grace, p. 40.

[3] Justino Mártir, I Apologia 15:6.

[4] L. Woods, Lectures on Infant Baptism, p. 112.

[5] Hezekiah Harvey, The Church: Its Polity and Ordinances, p. 211.

[6] Justino Mártir, 1 Apologia 61:2-3.

[7] Epístola de Barnabé 11.

[8] Irineu, Contra as Heresias II.22:4.

[9] Everett Ferguson, Baptism in the Early Church: History, Theology, and Liturgy in the First Five Centuries, p. 308.

[10] Kurt Aland, Did the Early Church Baptize Infants?, p. 58-59.

[11] K. R. Hagenbach, A Text-Book of the History of Doctrines, p. 193-194.

[12] Pastor de Hermas 15.

[13] Tertuliano, Tertullian’s Treatises: Concerning Prayer, Concerning Baptism, p. 69.

[14] Phillip Schaff, History of the Apostolic Church, v. 2, p. 271.

[15] L. Lange, History of Protestantism, p. 221.

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