Texto de Estudo

Lucas 18:1:

1 E CONTOU-LHES também uma parábola sobre o dever de orar sempre, e nunca desfalecer,

 

INTRODUÇÃO

Com certeza, você já deve ter pensado sobre por que precisa orar. Como seres humanos limitados, é fácil perceber por que a dependência torna-se uma de nossas características mais notáveis. Necessitamos do essencial para sobreviver e do que for possível para sonhar. 

Orar é depender. Oramos, pois precisamos... Precisamos que Deus continue providenciando alimentação, segurança, liberdade, família, amigos, paz, alegria, identidade, futuro, trabalho etc. Esperamos de Deus não somente deveres, mas também direitos! Desse modo, entendemos a razão de a oração tornar-se um instrumento tão valioso e propício à pessoa piedosa. Carecemos, por isso oramos. 

Sempre saberemos pelo que devemos orar. As demandas da vida e dos sonhos são contínuas. Por isso, estaremos sempre orando. Mas, por que este estudo de hoje vem nos falar da necessidade de ‘orar e nunca esmorecer’? Por que devemos persistir em oração uma vez que não obtemos respostas? Por que preciso entender que não há só a oração de necessidade, mas a necessidade de oração? Estudemos nossa passagem bíblica e vejamos o que podemos aprender sobre questões constantes em mais uma parábola de Jesus. 

 

O PORQUÊ DA PARÁBOLA

Jesus introduziu-nos a uma história instigante. A nota introdutória trazida por Lucas, no verso 1, serviu-nos de guia. Aliás, parece ser uma característica de Lucas. Veja que, no capítulo 15, ele também ofereceu uma iniciação antes de registrar as três parábolas (Ovelha Perdida, Moeda Perdida e Filho Perdido). A ideia contida nesta parábola é bem similar à do amigo que bate à porta, tarde da noite. (Lucas 11:5-8) Em ambos os textos, a persistência é destacada como ponto positivo. 

Apesar de o contexto cultural dos leitores originais ser diferente do nosso, ainda podemos captar, com segurança, a mensagem transmitida. Algumas pessoas alegam dificuldade sobre as palavras usadas quando se faz uma oração. Porém, muito mais difícil do que se expressar em oração é o fato da encarar a demora divina. A questão desconcertante não é “Deus vai atender?”; e, sim, “Quando Deus vai atender?”. O dever da oração não nos põe frente aos obstáculos das palavras, mas frente ao obstáculo do tempo. Mais especificamente, ocorre o cruzamento entre o tempo de Deus e o nosso. 

As Escrituras informam que o tempo (kronos) não exerce influência sobre Deus. Por isso, está escrito que um dia para ele é como mil anos, e mil anos como um dia. Todavia, o mesmo não se aplica a nós. Nascemos, crescemos e morremos; eis a forma mais simples de descrever o ciclo de um ser humano, dentro da linha ou das “areias” do tempo. Ou seja, o tempo exerce uma influência tremenda sobre nós! Tão impactante que chega a mexer com nossa fé. 

Não é à toa que temos relatos de várias personagens bíblicas quanto à tensão de sua fé e a demora do cumprimento de uma promessa de Deus. Assim aconteceu com Abraão, com Moisés e com Calebe. Por quanto tempo você oraria por uma causa? A parábola foi contada por Jesus para falar dessa espinhosa questão.   

 

OS ANTECEDENTES DE UM JUIZ

Mais uma vez, o Senhor Jesus usou elementos inesperados ou reversos em sua história. O objetivo, claro, é impactar os ouvintes. E o que há de tão contraditório na narração deste juiz? É o fato de ser descompromissado em exercer a Justiça. Irônico, não? 

É dito que ele “não temia a Deus, nem respeitava homem algum”. (v.2) Dentro de um contexto cultural judaico, um juiz deveria se esmerar para refletir o caráter divino em suas decisões, uma vez que o código civil judaico estava atrelado à Lei de Deus . A temática da injustiça social foi algo relevante na época dos profetas. Isso doía em Deus, porque era cometida pelos príncipes do povo, ou seja, pela própria liderança. Veja como Amós descreveu a corrupção de seus dias e quão contundente foi o apelo de Deus para que a situação mudasse: Amós 2:6,7 e 5:10-13. 

Tal postura corrupta também prevaleceu na época de Jesus. Eis que, mais uma vez, ele foi preciso e cirúrgico ao retirar casos da vida real e expô-los diante de sua audiência. Difícil não vir à nossa mente aquela máxima: ‘A vida não é justa’. De fato, esta história endossa isso. Um juiz acostumado a fazer o que fosse de interesse para ele. Se a viúva o tivesse subornado, ou pago propina, a história não existiria nos registros deste Evangelho.

A descrição de caráter de um juiz iníquo, dada por Jesus, é algo esperado. O que não é esperado é que sua audiência, no desfecho do texto, tivesse de comparar Deus a um juiz injusto! Da mesma forma que não se esperava que um samaritano preenchesse os requisitos da misericordialidade em relação a um judeu. Parece que Jesus estava jogando alto! Mas, antes de a história acabar, ele pôs cada personagem em seu devido lugar. 

 

A PERSISTÊNCIA DE UMA VIÚVA

A outra personagem da história analisada é uma viúva. Por que uma viúva? Simplesmente por ser um exemplo do típico impotente e oprimido. (Cf. Êx 22:22-23; Deuteronômio 10:18; 24:17; 27:19; Jó 22:9; 24:3,21;Salmos 68:5; Isaías 10:2) Klyne Snodgrass trouxe o seguinte fundo cultural : 

 

As viúvas eram facilmente reconhecidas pelas suas roupas típicas. (...) Como as mulheres casavam-se no início da adolescência, apesar de haver muitas viúvas, elas não eram, necessariamente, mulheres idosas. As mulheres viúvas eram deixadas sem nenhuma forma de subsistência. Se o marido, ao morrer, deixasse por herança uma propriedade, ela não a herdava, apesar de ter a garantia da provisão para a subsistência. Se ela permanecesse na família do marido, ela assumia uma posição inferior, quase que servil. Caso ela retornasse para sua família, o dinheiro repassado nas negociações do seu casamento deveria ser devolvido. As viúvas ficavam em uma situação tão miserável que, frequentemente, eram vendidas como escravas para a quitação das dívidas.

 

Assim como Jesus descreveu o juiz, também se deteve à viúva. Ele introduziu informações sobre os dois personagens sem destacar uma única fala de qualquer um. Isso, ele faria depois. De início, ocupou-se em apresentar as personagens. E o que foi dito sobre a viúva? A mulher ia, constantemente, ao “fórum” no qual o juiz atendia. Primeiramente, Jesus destacou a ação e, depois, a intenção. 

A primeira fala de nossa parábola, então, é mencionada: “Julga a minha causa contra o meu adversário”. (v.3) A viúva tinha a legislação judaica ao seu favor. Como um ícone do desamparo, a mulher não contava com muito. Por isso, sua persistência. Às vezes, pensamos que a importunação é uma tarefa incômoda apenas para quem ouve a reclamação (por exemplo, o juiz). A insistência também é algo incômodo para quem faz a reclamação, ou quem está requerendo algo por direito. 

Nossa parábola pinta um quadro em que o juiz cede por estar se sentindo muito perturbado. Contudo, era a viúva que, constantemente, tinha de se locomover até o magistrado. Era preciso caminhar, mais uma vez, pelo mesmo trajeto. E, talvez, pensando consigo: ‘Oh, Deus eterno! Será que ele vai me atender hoje?’. Fazendo um paralelo entre esse drama e o Brasil, na atualidade, podemos citar os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles sabem muito bem que sentimentos são esses! 

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Você acha que foi fácil para uma mulher desprovida dirigir-se, constantemente, a um juiz que já tinha provado não ter interesse por sua causa? Com certeza, não. 

Jesus não detalhou a causa pela qual a viúva reclamava justiça. O que percebemos pelo enredo da parábola é que devia se tratar de uma causa justa. E parece que o juiz também viu dessa forma; afinal, ao apresentar o motivo de conceder justiça àquela mulher, quando arrazoava consigo, não o fez mencionando os meandros da causa. Ao contrário, a atitude de importunação é o que sobressaiu. (v.5) É possível que a demora em atender a solicitação da viúva estivesse ligada à falta de pagamento de suborno. Se ela tivesse algo para oferecer em troca, o magistrado, há muito, teria julgado sua causa. 

Diante desse quadro, o que a viúva poderia fazer? Quer dizer, era uma mulher lutando em um contexto em que as coisas eram mais favoráveis aos homens. Dependia de um juiz a quem não podia apelar para o senso de dever para com Deus, nem ao mínimo de consideração ao próximo. O doutor admitia que não temia a Deus, tampouco respeitava pessoa alguma. (v.5) Em outras palavras, o juiz não se incomodaria com a pergunta ‘Você não tem vergonha?’.

Quem ou o que poderia demovê-lo de tamanha insensibilidade? A persistência (ou importunação), certamente. Jesus foi meticuloso ao mencionar a autoavaliação que o juiz fez: “Bem que eu não temo a Deus, nem respeito homem algum; todavia, como esta viúva me importuna, julgarei a sua causa para não suceder que, por fim, venha a molestar-me”. (v. 4 e 5) O juiz revela a verdade; estava consciente de que chegaria uma hora em que não aguentaria mais olhar ou ouvir aquela mulher. Isso, possivelmente, é o que esteja por trás das palavras: ‘não venha a molestar-me’. E por que Jesus destacou tais palavras? Ora, eis o ponto alto da parábola! Dali o Senhor retirou a lição para a vida de seus seguidores. 

 

 

A VITÓRIA DA VIÚVA

A viúva de nossa parábola conseguiu! Não somente foi ouvida, como ganhou a causa. Magnífico! Chegamos a sentir alívio pela pobre mulher. 

Quem poderia imaginar que um juiz sem escrúpulos faria justiça?! A mulher não teve nada a seu favor, a não se a sua voz. Imaginemos se Deus que, sendo bom e estabeleceu um relacionamento conosco, não nos desse o que precisamos? Como bem colocou Kistemaker, “O juiz ouviu a mulher pelo motivo errado: para livrar-se dela. Deus ouve seu povo porque o ama e defende sua causa. O juiz age egoisticamente; Deus age em favor de seu povo”.  

Exercer a persistência é algo duro e difícil de se manter em constância. Mas o resultado compensa o esforço. E essa é a lição que Jesus quis que aprendêssemos. 

Relembramos, mais uma vez, a introdução dada por Lucas, no verso 1: a parábola foi contada para quem estava sob o risco de desistir de orar. Afinal de contas, a demora é um fator real.  

 

O COMENTÁRIO DE JESUS SOBRE O CASO DA VIÚVA

O comentário feito por Jesus, depois da parábola, foi tão profundo, tão atual e tão desconcertante que o texto não teria efeito algum sem tais palavras conclusivas. 

Percebamos a nuance. Não era apenas o juiz que tinha de ‘conversar consigo’. Nós também! Em outras palavras, Jesus explicou que quem suplica a Deus é igual à viúva. É uma pessoa de carência indiscutível, notória. 

A parábola, em nenhum momento, discutiu se a causa ou causas que trazemos a Deus são justas ou não. E é preciso entender que o juiz não é Deus, no texto. Mas está relacionado a Deus, devido ao cargo. Ou seja, ele é concessor do direito e da Justiça. Sem sombra de dúvida, a correlação aconteceu, e isso deve ter gerado desconforto à audiência de Jesus, naquele dia, como para os posteriores leitores do Evangelho de Lucas. 

Por que seria diferente conosco, hoje?! Não é necessário se desculpar por isso. Afinal de contas, não podemos esquecer que efeitos controversos são comumente esperados nas parábolas de Jesus. A frase-chave de Jesus, em seu comentário, é: “Não fará Deus justiça...?”. 

Na parábola, o juiz é claramente diferente de Deus (o Juiz de toda a Terra), por não ter um caráter digno. Quase que automaticamente, nossa mente é tomada pelo fato contraditório de estar comparando um iníquo a um ser santo e justo - Deus. Mas há um ponto em que o personagem torna-se semelhante a Deus: na demora em conceder uma petição. 

No comentário de Jesus, o verbo apareceu no futuro: “Não fará...”. Isso significa que os escolhidos esperam o cumprimento da justiça, pois “clamam dia e noite” (v.7). Só que a tão esperada justiça será feita no futuro. Está claro que a justiça da qual Jesus fez menção é a relacionada ao fim dos tempos. Ou seja, a escatológica. Entretanto, os discípulos na Terra aguardam também a ‘justiça nossa de cada dia’! Os que perseveram nas promessas de Jesus sabem que, um dia, haverá a Justiça das justiças, mas o cotidiano necessita do atendimento de demandas que precedem a grande Justiça consumativa! 

Jesus estava tão ciente disso e terminou seu comentário com uma pergunta desconcertante: “...quando vier o filho do Homem, achará, porventura, fé na Terra”? (v.8) A fé encontra obstáculo na demora. O ditado popular diz que ‘Quem espera sempre alcança’. Mas é verdade que também se cansa! Não há um período de espera prolongado que esteja isento do cansaço. Por isso, a pergunta tão propícia de Jesus. Todavia, se você pensar por outro ângulo, o cansaço não é a falta de fé; antes, é a evidência de quem continua caminhando pela fé! E não devemos desistir. 

 

CONCLUSÃO

Você já desistiu de algo? Sim; com certeza. Então, por experiência própria, sabe o quanto o fator “demora” contribuiu para sua desistência. As aparências nem sempre enganam; elas também constatam. 

Jesus não se eximiu de afirmar: “...embora pareça demorado em defendê-los?”. (v.7, grifo nosso) As intervenções divinas persistem em não marcar hora e data para acontecerem. Eis o porquê da persistência. Sejamos, pois persistentes, orando sem jamais esmorecer. Se o esmorecimento já era uma ameaça à fé dos primeiros cristãos, imagine para nós! 

Falar de oração é sempre mais fácil do que a praticar. Ainda mais quando Deus demora em responder. Aprendemos que a fé não é necessária apenas para cruzarmos a linha de descrença, da incredulidade. Também é fundamental depois que a cruzamos. Por que devemos orar sem esmorecer? Porque Deus está peneirando os resíduos de nossa fé. A corrida da fé não é uma atividade de velocidade, mas de resistência. 

Deus chamou-nos não somente para iniciarmos a corrida; foi uma chamada também para terminá-la. Fiquemos firmes, irmãos! O tempo de espera de oração gera lágrimas, dor, estresse e até depressão. Mas também pode nos fortalecer. Como bem disse J. Sidlow Baxter, “Qual é a diferença entre um obstáculo e uma oportunidade? Nossa atitude diante deles. Toda oportunidade tem a sua dificuldade, e toda dificuldade apresenta uma oportunidade”. Logo, ore sem cessar! 

 

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