Algumas pessoas argumentam a partir da Bíblia que Deus condena as pessoas que rejeitam Sua revelação, mesmo sabendo que, se Ele tivesse revelado mais a elas, elas teriam se arrependido. Alguns dizem que isso prova que a Bíblia tem erros ou que o Deus da Bíblia é injusto. Alguns dizem que isso prova que a soberania de Deus supera qualquer outra coisa em Seu caráter ou ações - sim, Deus condena aqueles que se arrependeriam se soubessem mais (mas isso não o tornaria injusto, argumentam).

Mateus 10:15 diz: “Digo a verdade, será mais suportável para Sodoma e Gomorra no dia do julgamento do que para aquela cidade” [que rejeita o reino de Deus pregado pelos discípulos de Cristo].

Mateus 11:20-24 (cf. Lucas 10:12-15) diz:

Então Jesus começou a denunciar as cidades em que havia sido realizada a maioria dos seus milagres, porque não se arrependeram. ‘Ai de você, Corazim! Ai de você, Betsaida! Porque se os milagres que foram realizados entre vocês tivessem sido realizados em Tiro e Sidom, há muito tempo elas se teriam arrependido, vestindo roupas de saco e cobrindo-se de cinzas. Mas eu lhes afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom do que para vocês. E você, Cafarnaum: será elevada até o céu? Não, você descerá até ao Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje. Mas eu lhes afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Sodoma do que para você.’

Mateus 11:20-24 

O argumento é o seguinte: o próprio Cristo disse que aquelas cidades iníquas que foram destruídas nos tempos do Antigo Testamento teriam se arrependido (e sido poupadas da ira destrutiva de Deus) se os milagres de Cristo e a pregação de seus discípulos tivessem chegado a elas (implicando que a revelação que receberam de Deus foi inadequada). Se esse for o caso, o fracasso em se arrepender e crer não é culpa deles, mas de Deus - eles teriam acreditado se Ele lhes tivesse enviado o calibre da revelação trazido por Jesus Cristo e seus discípulos.

O mal-entendido comum dessas passagens assenta em dois problemas interpretativos. Primeiro, Jesus está usando um argumento ad hominem - ele está assumindo algo em que seus oponentes acreditam e depois o usa contra eles. Segundo, Jesus está usando um argumento rabínico comum, argumentando do menor para o maior. (Esse é um dos argumentos listados pelo grande rabino Hillel, cuja escola rabínica era uma das principais escolas do primeiro século de Jerusalém. O neto de Hillel, Gamaliel, era o professor do apóstolo Paulo.)

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O objetivo do argumento de Jesus é advertir os judeus de seus dias de que, por estarem rejeitando Ele e sua mensagem, eles receberiam justamente o julgamento e condenação de Deus. Primeiro, Jesus assume (para o propósito de seu argumento) qual era a opinião judaica comum - os habitantes de Sodoma, Gomorra, Tiro e Sidom eram tão perversos quanto podiam e mereciam toda a destruição que Deus trouxe contra eles. Eles eram os rejeitadores por excelência de Deus. Se alguém merecia julgamento, eram eles. Não há nada que Deus pudesse ter feito que tivesse levado essas cidades a se arrependerem! Segundo, Jesus argumentou do menor para o maior. Seu argumento pode ser parafraseado da seguinte maneira: “Se Sodoma, Gomorra, Tiro e Sidom foram justamente condenadas por Deus por rejeitar os profetas, quão mais justa é a condenação vindoura de Deus contra aqueles que rejeitam exatamente a profecia dos profetas.”

Em outras palavras: “Se vocês judeus que rejeitam Jesus como o Messias concordam que Deus estava justamente condenando aqueles que rejeitaram seus mensageiros, vocês não podem argumentar que Deus é injusto em condená-los por rejeitar Deus manifesto na carne.” A única maneira de os judeus incrédulos da época de Jesus poderem derrubar seu argumento seria argumentar que, de fato, talvez Sodoma, Gomorra, Tiro e Sidom não mereciam o julgamento de Deus - algo que nenhum judeu dos seus dias estaria disposto a discutir!

Que esse é o significado das declarações de Jesus é claro não apenas na história e literatura judaicas do primeiro século, mas também no evangelho de Mateus. Em Mateus 12 Jesus usa o Antigo Testamento e o argumento rabínico do menor para o maior em um contexto semelhante: “Os homens de Nínive se levantarão no julgamento com esta geração e a condenarão, porque se arrependeram na pregação de Jonas, e agora alguém maior que Jonas está aqui. A Rainha do Sul se levantará no julgamento com esta geração e a condenará; pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, e agora um maior que Salomão está aqui” (Mateus 12:41-42). Em outras palavras, “Se os ninivitas e a rainha de Sabá tiveram revelação suficiente para se arrepender e escapar do julgamento de Deus, quanto mais vocês, judeus incrédulos, serão condenados por não se arrependerem da revelação final e total de Deus em Jesus Cristo.” 

Um argumento semelhante é colocado por Jeremias 3:6-13, onde o profeta adverte Judá (o reino do Sul) que será julgado com mais severidade do que Israel (o reino do Norte, desprezado pelo reino do Sul), porque Judá não apenas recebeu a advertência de Deus, mas também teve o exemplo de Deus executando Seu julgamento contra Israel primeiro, e ainda assim Judá não se arrependeu.

De fato, Deus é tão justo que Jesus em outros lugares argumenta hipoteticamente que alguém que é verdadeiramente ignorante não pode ser julgado com justiça. Em João 15:22 Jesus diz: “Se eu não tivesse vindo falar com eles, eles não seriam culpados de pecado. Agora, porém, eles não têm desculpa para o seu pecado.” Em João 9:41 Jesus diz: “Se vocês fossem [espiritualmente] cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que afirmam que pode ver, sua culpa permanece.”

De certa forma, a mensagem principal da Bíblia é tão simples e tão constante desde Gênesis até Apocalipse que até uma criança pequena pode entender o básico da salvação. De outras maneiras, a Bíblia é tão rica em história, linguagem, filosofia, literatura e retórica que nunca se pode explorar completamente suas profundezas. Quando estudamos cuidadosamente e compreendemos passagens problemáticas como essas, apreciamos novamente a perfeita revelação de Deus sobre Seu caráter perfeito, Sua justiça e Seu amor, em nosso favor.”

Traduzido por Fabricio Luís Lovato a partir de Does Jesus Teach that God Is Unjust? <http://www.answers.org/theology/injusticeofgod.html>.

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