Estava lendo “Como Jesus se Tornou Deus” (LeYa, 2014), do historiador agnóstico Bart Ehrman. Ex-cristão e conhecido por outras obras críticas ao Cristianismo, o professor Ehrman defende a tese de que Jesus foi um camponês galileu que se tornou um “pregador apocalíptico”, anunciando o fim dessa era e o início de outra. Jesus foi morto pelas autoridades romanas como um subversivo, o que deveria ter levado ao fim de seu movimento messiânico. Contudo, seus seguidores passaram a ter “visões” (imaginárias) de que Jesus estava vivo, e a crer sinceramente que Ele teria retornado dos mortos. Posteriormente, sob influências pagãs e judaicas, a crença de que Jesus foi um homem exaltado após Sua morte evoluiu para a crença de que na verdade, Ele era o próprio Deus que havia se tornado homem.

Como toda a reconstrução crítica da história de Jesus, a tese de Ehrman levanta questionamentos sérios. Para citar um exemplo: seria possível que a crença na ressurreição de Jesus tenha se originado de alucinações por parte dos discípulos? No livro “The Case for Christ”, o historiador Gary Habermas afirma a Lee Strobel que “temos relatos repetidos de Jesus aparecendo a várias pessoas que contaram a mesma coisa. E há vários argumentos que demonstram por que alucinações não podem explicar essas aparições. Os discípulos estavam cheios de medo e dúvidas, em desespero depois da crucificação, ao passo que pessoas que possuem alucinações têm uma mente fértil, cheia de expectativa. [...] E o túmulo vazio? Se todo mundo apenas imaginava ter visto Jesus, seu corpo ainda estaria no túmulo.”

Ehrman escreve de forma didática e agradável, mas é preciso atenção (e alguma pesquisa) para distinguir entre o que são fatos, o que são interpretações e o que são imaginações da sua mente. Para exemplificar, no primeiro capítulo, intitulado “Humanos Divinos na Grécia e Roma Antigas”, Ehrman tenta demonstrar a existência da crença em homens divinizados na Grécia e Roma do primeiro século, que podem ter influenciado os seguidores de Jesus. O seu principal argumento repousa sobre Apolônio de Tiana. Ele assevera que o estudo do Novo Testamento não deve iniciar pelos Evangelhos ou pelas cartas de Paulo, mas pela história de um “homem muitíssimo incomum que nasceu no século I em uma região remota do império romano, cuja vida foi descrita por seus seguidores posteriores como totalmente miraculosa.”

Segundo Ehrman, Apolônio de Tiana:

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  1. teve um nascimento sobrenatural; sua mãe foi informada antes do nascimento de que ele seria uma encarnação - a “vinda em carne” - de um ser divino, o deus Proteu;
  2. seu nascimento foi marcado por um sinal no céu, um raio que pairou e depois desapareceu (o que nos lembra a estrela que guiou os magos do Oriente até Jesus);
  3. era um professor poderoso e teve muitos discípulos;
  4. realizou diversos milagres e curas;
  5. teve um julgamento injusto perante as autoridades, por receber honras devidas apenas aos deuses; e
  6. “depois de partir para os céus, Apolônio apareceu em uma visão para um seguidor que duvidava dele. Apolônio convenceu o seguidor de que ainda estava vivo e presente entre eles. Jesus, é claro, também apareceu a seus discípulos após a ressurreição e os convenceu, inclusive o incrédulo Tomé, de que sua realidade e vida continuavam nos céus.”

As semelhanças são próximas demais para serem coincidências. Isso, porque, realmente não o são. Gostaria de apontar outros fatos que podem dar outro ângulo sobre a questão.

  1. a história de Apolônio chega a nós por meio de Filóstrato, que escreveu seu relato mais de um século e meio depois da morte de Apolônio (os Evangelhos foram escritos por testemunhas oculares do ministério de Jesus);
  2. enquanto temos apenas uma fonte (com autenticidade duvidosa) para a vida de Apolônio (Filóstrato), temos mais de 30 fontes, cristãs e não-cristãs, sobre a vida de Jesus no mesmo período de tempo;
  3. Filóstrato foi financiado pela imperatriz romana Júlia Domna (a qual era seguidora de Apolônio) para escrever uma biografia de Apolônio; ou seja, Filóstrato teria motivos financeiros para embelezar a história (por outro lado, os discípulos tinham tudo a perder ao contarem a história de Jesus!);
  4. Filóstrato afirmou ter descoberto um antigo documento sobre Apolônio escrito por um certo Damis da cidade de Nínive, que já não mais existia há trezentos anos;
  5. Filóstrato escreveu na Capadócia em princípios do século III, quando o Cristianismo já estava firmemente estabelecido na região.

O mais curioso é que, em uma referência bibliográfica (aquelas letras miúdas no final do capítulo ou do livro, as quais quase nenhum leitor presta atenção), Ehrman afirma que “visto que Filóstrato escreveu após os Evangelhos estarem em circulação, é inteiramente possível - conforme muitos críticos salientaram - que tenha sido influenciado pela descrição de Jesus e que, como resultado, ele mesmo tenha criado as semelhanças entre seu relato de Apolônio e as histórias dos Evangelhos.” Ehrman tira (sutilmente) com uma mão o que havia dado com a outra.

O fato é que Ehrman não tem nenhuma evidência para sua ideia de que Jesus se tornou Deus em algum momento (isso, Ele sempre o foi). Mas temos muitas evidências de que, na verdade, Deus se tornou Jesus (João 1:14).

Referências

Bart Ehrman, Como Jesus se Tornou Deus, LeYa, 2014.
Lee Strobel, The Case for Christ, Zondervan, 1998.
Norman Geisler, The Big Book of Christian Apologetics: An A to Z Guide, BakerBooks, 2012.

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