Texto de Estudo

Lucas 18:14:

14 Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.

 

INTRODUÇÃO

Esta conhecida parábola, O Fariseu e o Publicano, contada por Jesus e narrada apenas por Lucas, é transmitida em um contexto que apresenta o ensino do Senhor sobre oração. 

Há muito tempo, ela tem sido considerada e analisada sob os temas da oração, do orgulho e da humildade. Sem dúvida, tais assuntos são abordados e dão ao cristão orientações para o desenvolvimento de atitudes que agradam a Deus. 

Este texto ilustra muito bem o aspecto ridículo do orgulho, e o resultado desastroso que produz na vida de quem se julga autossuficiente, melhor que os outros.

Todavia, assim como em outras parábolas que nos revelam as riquezas dos ensinos de Cristo, nesta, ao examinarmos profunda e criteriosamente, encontraremos o propósito pela qual fora proferida pelo Mestre. Para tanto, elucidaremos questões como o contexto, os personagens e suas representações, suas atitudes e caráter e a aplicação de tal ensinamento à vida cristã, considerando também os dias atuais.

 

UM PANORAMA

“Contou também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, achando-se justos, e desprezavam os outros.” (v. 9)

 

Na introdução da parábola, é possível observar, com sensibilidade, as atenções sendo voltadas para o grupo religioso dos fariseus, embora, no escopo do texto, não seja especificado tal grupo. No capítulo 15:1-2, Jesus recebeu publicanos, gerando murmuração entre os fariseus e os escribas. É provável que esse tenha sido o motivo pelo qual Jesus utilizou as figuras do fariseu e do publicano, já que os primeiros consideravam-se aquilo de melhor da humanidade; e os segundos eram desprezados pelos patrícios. 

Ainda no capítulo 16, a partir do versículo 14, Lucas registrou várias palavras de Jesus em que confronta, com muita firmeza, o grupo farisaico. Na sequência, Jesus ensinou sobre a misericórdia de Deus, alcançando grupos sociais desprezados pela sociedade, como os pobres (16:19-31); os leprosos (17:11-19); as viúvas (18:1-8) e os coletores de impostos (18:9-14).

Ao contar tal parábola, Jesus estava repudiando, decisivamente, o entendimento de justificação e de salvação por meio de méritos próprios, ao mesmo tempo em que nos instruía a respeito da essência da verdadeira adoração e da oração feita com reverência e humildade.

Na Palestina, os devotos oravam três vezes por dia. Considerava-se que a oração era sobretudo eficaz se realizada no templo. De modo que, às nove, ao meio-dia e às 15h, muitos iam ao átrio a fim de se dedicarem às orações.  

“Dois homens foram ao Templo para orar. Um era fariseu, e o outro, cobrador de impostos”. (v. 10, NTLH) A atitude dos fariseus e dos coletores de impostos, naquele contexto parabólico, é de extensa difusão e não necessita de ênfase ou demasiada explicação. Aquele é o observador estrito da lei; e este, o infrator e traidor da nação. 

Senão, vejamos os personagens centrais da narrativa; estando os atores no palco, a peça tem início.

 

O FARISEU

“O fariseu de pé, orava consigo mesmo” (vs. 11a) Jesus descreveu o comportamento de um fariseu em particular; em sua obstinada arrogância, excedia em atos piedosos, na observância a cada detalhe da Lei de Moisés.

Na descrição de sua oração, que deve ter ocorrido no meio da manhã ou no meio da tarde, fica evidente que ele pensava não precisar da misericórdia divina, considerando-se autossuficiente e capaz, inclusive, de manter o padrão legalista que se havia proposto: a perfeição. Em virtude disso, desprezava quem não desejava ou era incapaz de manter tal padrão. 

Nas horas específicas de oração, dirigiu-se ao pátio externo, no qual podia ser visto e ouvido pelos homens. De pé, olhando para os céus, orava a respeito de si mesmo. Sua fala estava centrada no próprio procedimento e na autojustificação. Tratou apenas de elencar suas “virtudes”, em detrimento da conduta dos outros homens - ladrões, injustos, adúlteros e publicanos. Pretensiosamente, enquadrou este último grupo nas características desprezíveis por ele mencionadas. 

A curta oração evidencia a primeira pessoa do singular, sendo mencionada por quatro vezes neste trecho. O fariseu orou em agradecimento; não fez petições, pois confiava na autossuficiência. Não tinha o que confessar, pois era um exímio guardador da Lei. Todas as referências aos demais homens foram de cunho negativo. Além disso, Deus deveria estar satisfeito, porque um fariseu, em sua “excelência”, dirigia-se ao Senhor em oração. E estava cego em sua “perfeição”! Por conta disso, impedido de reconhecer a multiforme graça divina.  Vangloriando-se, mencionou duas atitudes que costumava praticar.

“Jejuo duas vezes por semana...” (v. 12a) Na lei mosaica, estava prescrito um dia de jejum por ano, no iom kipur (= o dia do perdão), mas o fariseu fez questão de evidenciar o quão além estava da conduta esperada. 

“Dou dízimo de tudo quanto ganho” (v. 12b) Ele devolvia o dízimo por tudo aquilo que se tornava seu, mesmo que os outros já o tivessem feito. Queria ser o cumpridor das exigências da lei.

Eis expressa a base do que o fariseu entende como justiça. De pé, isolado, para não ser contaminado pelos “injustos”, ele glorifica a si mesmo e discrimina e repudia ferozmente o coletor de impostos que estava perto. Ademais, exalta-se não apenas por cumprir a lei, mas por superar as suas exigências.

 

O PUBLICANO

“Mas o publicano, em pé e de longe, nem mesmo levantava os olhos ao céu, mas lamentava-se profundamente...” (v.13) O movimento da parábola segue iniciado por uma conjunção coordenativa adversativa (= mas), trazendo ideia de contrariedade que se revela, de forma dramática, na descrição do outro personagem parabólico: o publicano.  

A imagem do coletor de impostos, na mente do fariseu, é confrontada com a realidade de um homem humilde, que se pôs ao longe para orar. Veja: ao longe! Para o publicano, não havia a necessidade de autoexibição; pelo contrário, ao se colocar dessa forma, assume sua total dependência da misericórdia divina.

Por todo o país, havia sinagogas, e o publicano estereotipado como traidor não ousava adentrar as suas portas. Antes, acessava o pátio externo do templo e, nas horas da oração, dedicava-se a falar com Deus.

Ele queria tocar o divino com sua oração, ao passo que nem se atrevia a olhar aos céus! Sua consciência o estava incomodando e sobrecarregava com o peso da própria indignidade diante dos homens e de Deus. Precisava de amparo espiritual. Sentia vergonha por seu estado de pecador. Ser coletor de impostos, a serviço dos romanos, era motivo de desprezo pelo próprio povo, a ponto de o considerarem ladrão e traidor. 

Esse homem tinha consciência de seu estado miserável e de sua dívida impagável por ter agido, de forma fraudulenta, para com os compatriotas. O fardo do pecado oprimia-o, e a primeira fala de sua oração evidencia isso: “Mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, um pecador!”. (v.13b) De acordo com a tradição judaica, a postura para a oração era cruzar as mãos sobre o peito e manter os olhos baixados. Entretanto, de acordo com o relato bíblico, o homem irrompeu em movimentos, batendo no próprio peito. Este gesto dramático é usado em ocasiões de extrema angústia, ou intensa ira. Ocorreu, nesta passagem e diante da cruz (Lucas 23:48). Assim, o clássico gesto do Oriente Médio é um profundo reconhecimento de que “do coração procedem maus desígnios, homicídios... furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. (Mateus 15:19

Todo o quadro desenha a intensidade de remorso sentida pelo coletor. Mas, afinal, em que sua oração difere da do fariseu?   Enquanto batia no peito, o publicano mostrava a fonte do pecado ˗ seu coração. Ele chamou a si mesmo de pecador, apresentou-se diante de Deus com as mãos vazias, sem méritos, atos de piedade, ou virtudes. Ademais, não desmereceu, nem insultou os semelhantes. O único pedido que se atreveu a fazer foi rogar pela divina misericórdia.

 

A CONCLUSÃO DO MESTRE

A afirmação final de Jesus revelou qual atitude recebera a aprovação divina:

“Digo-vos que este desceu justificado para casa, e não o outro...”. (v. 14a) Para aqueles que observavam o fariseu, certamente, ele era o modelo de servo leal e fiel à Lei, que se esforçava e era disciplinado na obediência. Sua eloquente fala expressava gratidão, motivo pelo qual acreditavam que Deus ouviria sua oração. 

Em contrapartida, o publicano, que sequer olhou para os céus, não atraiu olhares de aprovação, pois confessava, batendo no próprio peito, ser um pecador carente da graça divina .

O coletor de impostos veio para a casa justificado, disse Jesus. O homem que imputou a si mesmo o título de pecador confiou inteiramente na misericórdia de Deus e recebeu a justificação. “Pois todo o que se exaltar será humilhado, mas o que se humilhar será exaltado” (v. 14b) Esse versículo aparece de diferentes formas no Novo Testamento, e trata de um paralelismo antitético.  Um provérbio grandiosamente apropriado para o tema, cujo foco é a justiça. 

Como observamos anteriormente, o autor introduz a parábola dando pistas do tema que seria abordado por Jesus ˗ justiça ˗ e como é alcançada. E, para concluir, o versículo trata o mesmo assunto, afirmando que só os humildes serão exaltados.

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Não se refere, porém, a um âmbito social ou à humildade, ou à elevação do homem entre seus semelhantes, mas de uma elevação, exaltação, diante de Deus. Usa o paralelismo: aqueles que se elevam (que se dizem justos) e os que se humilham (que se confessam injustos e pecadores). E, então, a recompensa: o autoexaltado é humilhado; e o humilde, exaltado.

Os ouvintes da parábola são conduzidos ao entendimento de como se alcança a justiça divina. Jesus apregoou que ela é um presente, por meio do sacrifício expiatório, aceito por aqueles que, humildemente, aproximam-se dele, como pecadores que confiam na graça de Deus; e, não, em sua justiça particular.

 

O FARISEU E O PUBLICANO HOJE

A grandeza dos ensinamentos de Cristo está em sua atemporalidade e no poder de superar tradições e culturas. Há quase 2.000 anos, o tema fora abordado e, ainda hoje, podemos observar crentes “farisaicos” nas igrejas, e o “farisaísmo” em nossa vida. 

Para saber se você é um cristão fariseu, ou apresenta as virtudes de um verdadeiro cristão, desafio-lhe a responder a algumas perguntas.  A metodologia usada foi apresentar 20 afirmações relativas a Jesus e perguntar se as pessoas concordam ou discordam. Em seguida, foram apresentadas 10 ideias típicas dos fariseus, e eles também deveriam responder se concordam ou não.

 

Estas foram as declarações que visavam examinar a semelhança com Cristo:

 

Ações de Jesus:

1.Escuto os outros e busco conhecer a sua história, antes de falar-lhes sobre a minha fé. 

2.Nos últimos anos, tenho influenciado várias pessoas a desejarem seguir a Cristo. 

3.Costumo optar por fazer minhas refeições com pessoas muito diferentes de mim em questões de fé e moral. 

4.Tento descobrir as necessidades dos não cristãos, ao invés de esperar que eles simplesmente venham até mim. 

5.Dedico parte do meu tempo aos não cristãos para ajudá-los a seguir a Jesus. 

6.Eu creio que Deus valoriza todas as pessoas, independentemente de como vivem ou viveram até o presente. 

7.Eu creio que Deus pode ser conhecido por todos. 

8.Eu vejo Deus trabalhando na vida das pessoas, mesmo quando elas não o seguem. 

9.É mais importante ajudar as pessoas a conhecer quem é Deus que as acusar de serem pecadores. 

10.Sinto compaixão por pessoas que não estão seguindo a Deus e fazem coisas que considero imorais. 

 

Declarações usadas para avaliar o sentimento de justiça própria, como fariam os fariseus: 

 

1.Sempre conto aos outros que a coisa mais importante na minha vida é seguir as regras de Deus. 

2.Eu não falo sobre meus pecados ou lutas. Isso diz respeito apenas a mim e a Deus. 

3.Procuro evitar passar tempo com pessoas imorais (como gays, lésbicas ou usuários de drogas). 

4.Gosto de corrigir aqueles que não têm a teologia ou a doutrina certa. 

5.Eu prefiro servir quem é da minha igreja ou denominação, e não os sem igreja. 

6.Acho difícil fazer amizade com pessoas que parecem fazer as coisas erradas. 

7.Não é minha responsabilidade ajudar quem não ajuda a si mesmo. 

8.Sou grato a Deus por ser um cristão, especialmente quando vejo as falhas e os defeitos de outros. 

9.Acredito que devemos ficar contra os que se opõem aos valores cristãos. 

10.Pessoas que seguem as regras de Deus são melhores do que aqueles que não seguem. 

 

CONCLUSÃO

A atitude do publicano é a única que garantirá perdão e paz com Deus. Ele não comparou seus pecados aos de outras pessoas piores do que ele. Foi a Deus com seu fardo de culpa e vergonha, como transgressor da Lei, pecador em pensamentos, palavras e atos. Compreendeu que deveria receber punição por seus pecados, e isso seria justo e correto. Misericórdia, misericórdia... era sua única súplica. A segurança do perdão concede paz e descanso à alma enferma pelo pecado.

A humilhação manifestada pelo publicano é plenamente aceitável a Deus. Para conhecer a nós mesmos, deveremos ser humildes. O autoconhecimento afastará toda a disposição para celebrar diante do Altíssimo nossas excelentes qualidades. Ao compreendermos nossos pecados e imperfeições, cairemos aos pés de Jesus em fervorosa súplica, e nossa petição não será ignorada.

Há entre ser um cristão fariseu e um verdadeiro cristão uma tênue linha que delimita nossa dependência da justiça divina, ou independência e auto-justificação. De qual lado estamos? Os traços farisaicos podem ser sutis e passarem despercebidos quando não desenvolvemos o caráter de Cristo. A comodidade, a vaidade, o orgulho, a rebeldia ainda que manifestos de forma atenuada são responsáveis pelo farisaísmo nas igrejas atuais. 

Será que, às vezes, nós, Batistas do Sétimo Dia, por pregarmos a validade da observância aos Dez Mandamentos, não temos um posicionamento farisaico, achando que somos melhores que os demais cristãos por observarmos o sábado, ou por termos os mandamentos por princípio eterno e válido?

Não se pode desconsiderar a propagação de um Evangelho diluído, que não trata o homem como pecador necessitado de redenção, mas como um receptáculo de bênçãos e de posses. Lembre, como na parábola: esse último voltará não justificado para casa. O primeiro, no entanto, terá sido justificado e exaltado por Deus.

 

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