Texto de Estudo

Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós,

Romanos 4:16

 

INTRODUÇÃO

Paulo mostrou que toda a humanidade está espiritualmente morta e sem esperança, sob o julgamento de Deus. A Lei, na qual Israel tinha colocado a esperança, não servia de ajuda na salvação, mas era um espelho que mostrava a pecaminosidade dos seres humanos. Entretanto, o apóstolo não abandonou a esperança. Jesus Cristo, por meio do Seu sacrifício de expiação, tornou a salvação possível. Seu sangue liberou a vida e a justiça, concedida a nós como um dom.

E como podemos receber esse dom? No capítulo quatro de Romanos, Paulo examinou a história sagrada e destacou um princípio que vigora desde o início, mas que Israel negligenciou: a fé. Este capítulo é importante, também um dos mais claros da Palavra de Deus, pois explica a natureza da fé salvadora.

A principal personagem é Abraão. Alguns versos do livro de Gênesis sobre a história do patriarca devem ser consultados para compreendermos o pano de fundo do que Paulo quer transmitir à Igreja de Cristo: capítulos 12, 15, 17, 22, de Gênesis. Cada uma dessas passagens traz encontros de Deus com Abraão e, destes, surgiram promessas e atitudes que influenciaram a vida do povo de Israel e a teologia que Paulo ministrou à Igreja.

Os exemplos citados pelo apóstolo têm o propósito de desenvolver a doutrina da justificação pela fé. Assim, nossa primeira tarefa é analisar, brevemente, os textos de Gênesis para buscar a análise expositiva do texto.

 

ABRAÃO, O PAI DA FÉ

Gênesis 12: Neste trecho, Abrão é chamado por Deus para sair da terra de Ur dos Caldeus, uma cidade pagã. A principal promessa é que, em Abrão, todas as famílias da Terra seriam benditas. Obediente ao chamado, ele deixa a cidade com toda a parentela, rumo à Terra Prometida. Os anos passam, e a promessa aparentemente não se cumpre - Abraão não tinha terra, nem descendência, com um agravante, Sara, sua mulher, não podia gerar filhos. Assim, no capítulo 15, vemos outro encontro de Deus com Abraão.

Gênesis 15: Muitos anos haviam passado desde o último encontro. Naquele momento, o patriarca está questionando sua descendência. Deus, então, propõe que ele olhe para o céu e conte as estrelas, se isso fosse possível. Essa seria sua descendência. O texto afirma, no verso seis, que Abraão creu no Senhor e imputou-lhe isso por justiça. Contra todas as possibilidade e evidências, o patriarca teve fé na promessa divina. A partir dali, Deus considera Abração justo.

Gênesis 17: Entre a última promessa de Deus e seu cumprimento, vemos que Abraão vacilou e teve um filho, Ismael, com Hagar, serva de sua esposa. Deus reaparece quando Abraão conta com a idade de 99 anos. E lhe reforça que terá um filho, não sendo Ismael o fruto de sua promessa. Do verso nove ao 14, o Senhor estabelece a circuncisão, um sinal da aliança estabelecida entre o Ele e Abraão. A circuncisão era um selo externo que representava a circuncisão do coração, relacionada, no Novo Testamento, à verdadeira conversão humana. A prática lembra-nos que transmitimos o pecado às gerações; assim, todos nascem pecadores, mas a circuncisão fala da redenção, em que Deus, em Cristo Jesus, circuncida nosso coração, de maneira que o Senhor terá uma nação santa, sem pecado, medida por Jesus. Na continuação do capítulo, Deus muda o nome de Sarai para Sara e, a partir do 23, a circuncisão é efetuada em todos os homens do povo.

Gênesis 22: Após o capítulo 17, Isaque nasceu. Oito anos depois, Deus pede que Abraão entregue seu filho como sacrifício. O livro de Hebreus explica que ele obedeceu a Deus, pois acreditava que, após a morte do filho, o Senhor iria ressuscitá-lo, pois a promessa divina é clara: Isaque era o portador da promessa. No momento do sacrifício, o anjo do Senhor aparece a Abraão para impedi-lo de matar o filho e declara que realmente tem fé no Altíssimo. Diante desse fato, Deus promete: “E disse: Por mim mesmo jurei, diz o Senhor: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; E em tua descendência serão benditas todas as nações da Terra; porquanto obedeceste à minha voz” (Gênesis 22:16-18)

Essa é a história da peregrinação de Abraão, que creu na promessa de Deus e aguardou por anos até que a fosse cumprida. Esse é o pano de fundo de Romanos 4

 

JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

No capítulo três, Paulo já tinha exposto que a justificação é pela fé. No quarto, demonstrou sua tese a partir da história de Abraão.

Deus justifica o pecador mediante a fé em Cristo Jesus, tendo como base a propiciação que há no sangue de Jesus, uma figura que empresta dos sacrifícios sacerdotais do Antigo Testamento, quando o sangue de um cordeiro é derramado na tampa da Arca. Mediante o sacrifício de Jesus, Deus imputa justiça e considera o ímpio como justo, perdoando o pecado, e o adota como filho em sua família.

A palavra grega “justificar”, ou “justificação”, significa “isentar”, “vindicar”, ou “declarar justo”. São termos judiciais, cujo o significado teológico é emprestado dos tribunais do júri. Por meio da justificação, Deus inocenta os que foram acusados por pecados e fracasso. A Palavra de Deus deixa claro que Ele não vai inocentar da responsabilidade do pecado, com base no seu próprio esforço em cumprir a Lei. Assim, somente pela fé podemos ser declarados justos.

Com essa perspectiva, Paulo utilizará o exemplo de Abraão para justificar, principalmente aos judeus, que o patriarca obteve a justificação de Deus mediante a fé e, não, por méritos e obras da Lei. Os judeus, na época de Jesus e Paulo, respeitavam Abraão, considerado o fundador da nação. Os líderes religiosos judaicos acreditavam que o Senhor justificou-o, pois era merecedor por guardar todos os princípios estabelecidos por Deus. O apóstolo desconstruirá esse discurso, utilizando a própria história do patriarca. 

O ponto essencial de Paulo, neste capítulo, é que o pacto realizado com Moisés, no Sinai, quando a Lei foi dada a Israel, não pode anular o acordo que Deus tinha feito, muitos anos antes, com Abraão. Paulo busca trilhar uma cronologia ao mostrar que, primeiramente, fora estabelecido o pacto com Abraão e, depois, surgiu a Lei com Moisés. Assim, tenta mostrar aos judeus, que enfatizavam a justificação pela Lei, que, séculos antes, Deus havia justificado Abraão pela fé.

Para Cranfield, a declaração de Paulo está em notável contraste com a suposição dos rabis, segundo a qual todas as promessas foram feitas a Abraão, na base do cumprimento da lei (a qual, segundo eles, já era conhecida e cumprida na sua inteireza, embora ainda não houvesse sido promulgada), como também com a compreensão deles a respeito da fé de Abraão, ela mesma uma obra meritória.

O argumento de Paulo faz sentido aos judeus, pois eles estão discutindo sobre a mesma base, o Antigo Testamento, aceito como Palavra de Deus pelos israelitas.

 

ABRAÃO FOI JUSTIFICADO PELA FÉ

Paulo utiliza quatro argumentos para combater a justificação pelas obras:

1)    Abrão foi justificado antes de existir Lei.

 

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Paulo afirma que Abraão não tem de se gloriar de seus feitos diante de Deus, pois tudo fora dado pela misericórdia e graça divinas. O apóstolo explica como Abraão foi justificado, citando Gênesis 15:6. Em seguida, nos versos quatro e cinco, faz uma comparação entre os dois sistemas de salvação: mediante a graça e mediante as obras.

 

Mediante as obras, a salvação é paga como um salário. Assim, Deus deve-nos a salvação, pois trabalhamos para ela. Mediante a graça, o Senhor justifica o ímpio, que não tem mérito algum, que não tem a oferecer a Deus. A salvação pela graça é considerada um favor divino ao pecador. Lopes afirmou: “Se a justificação fosse pelas obras, a salvação seria o salário merecido de nosso trabalho. Um contrato de trabalho implica que o salário é devido; generosidade alguma intervém; o salário pago corresponde ao trabalho realizado; é uma troca entre partes contratantes, agindo em pé de igualdade. Abraão, porém, não havia concorrido com uma obra meritória diante de Deus. A fé não é uma obra, e a justificação não reconhece o mérito do homem para coroar-lhe a ação”.

 

Assim, Abraão não tinha motivo para gloriar-se diante de Deus, pois nada tinha para oferecer-Lhe em troca da promessa.

 

Paulo finaliza a exposição com uma prova, citando o Salmos 32 de Davi: “Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, E cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado”. (Romanos 4:6-8)

 

Nesse aspecto, Hernandes Dias Lopes afirmou: “Os exemplos de Abraão e Davi mostram que a justificação pela fé é o único meio pelo qual Deus garante a salvação, tanto no Antigo como no Novo Testamento, tanto para judeus como para gentios. É, portanto, um erro assumir que, no Antigo Testamento, as pessoas eram salvas pelas obras e, no Novo, pela fé, ou que hoje a missão cristã deve limitar-se aos gentios, com base no pressuposto de que os judeus têm a sua forma distinta de salvação”.

 

 

2)    Abraão foi justificado antes de ser circuncidado.

Essa implicação é importantíssima, pois Abraão é pai da fé dos circuncisos e incircuncisos. Ele não é apenas pai dos judeus, mas de todos aqueles que creem em Deus como ele crê. Quando creu em Deus e foi declarado justo, ele era incircunciso. Assim, não foi o fato de ser circuncidado que tornou Abraão justo, mas a fé que o patriarca tinha em Deus. Paulo, neste contexto, exclui da descendência de Abraão todo aquele judeu legítimo e circuncidado que não crê em Deus como Abraão. Sua linhagem é espiritual, assim como a verdadeira circuncisão.

William Hendriksen afirmou que, em si e por si mesmos, esses sinais — na antiga dispensação, os sangrentos da circuncisão e a Páscoa; na nova, os não sangrentos do batismo e da Ceia do Senhor - não efetuam justificação. Entretanto, significam e a selam. Da mesma forma, o arco-íris não salva a humanidade de um dilúvio, mas significa e sela a promessa de Deus quanto a jamais afogar novamente a raça humana num dilúvio. O anel nupcial não traz bênção aos casados, mas proclama o compromisso de fidelidade dos cônjuges.

 

3)    Abraão não recebeu as promessas por ter guardado a Lei.

Paulo recebeu a promessa de ser herdeiro do mundo mediante a fé. Ele citava o evento de Gênesis 22 quando Deus pede para que sacrifique Isaque e ratifica as promessas anteriores. As consequências dessa implicação são estas: a) se os que vivem pela Lei são os herdeiros, a fé não tem valor, e não existe promessa (v.13). Como foi dito anteriormente, os judeus da época de Paulo afirmavam que os herdeiros da promessa são aqueles que guardam a Lei. E Paulo reitera que estavam errados, pois a promessa foi dada não porque Abraão guardou a Lei, mas porque teve fé em Deus. b) A Lei produz ira. Ela não desenvolve salvação, mas a ira de Deus, pois a Lei enquadra o pecador e declara-o condenado e sujeito ao castigo divino. c) por ser pela graça, mediante a fé, a justificação estende-se a todos, judeus e gentios. (v.16)

Portanto, podemos dizer que pertencemos à linhagem espiritual de Abraão, pois seguimos as pisadas de fé do patriarca.

 

4)    Abraão creu em Deus, apesar de todo o contexto adverso. Torna-se modelo do verdadeiro crente.

Pontos importantes a ser destacados: a) Abraão creu em Deus que vivifica os mortos. Um casal de idosos, que já não podia gerar filhos, agravado pela esterilidade de Sara. Mas Deus produziu uma vida, Isaque. Paulo destaca que Abraão creu no Deus dos impossíveis, que dá vida aos mortos e que criara o mundo a partir do nada. (v.18) A fé não se baseia naquilo que vemos e sentimos, mas se fortalece pela Palavra de Deus. É um princípio ativo que permanece inabalável diante das circunstâncias adversas. Uma boa definição de fé está no verso 21: “estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido”.

Nesse sentido, precisamos pensar não apenas na fé, mas em quem ela é depositada. Abraão creu no Deus poderoso, que principalmente se dedica a fazer aquilo que Ele promete. E é nesse Deus que devemos crer. Ao mesmo tempo, apesar do vacilo de Abraão em aceitar a proposta de Sara em ter um filho com Hagar, no geral, a vida do patriarca foi marcada pela confiança no Criador.

Há, portanto, um paralelo entre a nossa fé e a de Abraão: ambos cremos que Deus vivifica os mortos. Crer que Ele ressuscitou Jesus dos mortos é o mesmo que acreditar que pode fazer um homem de 100 anos e uma mulher, estéril, de 90 , gerarem filhos.

Nós não vimos Jesus ser morto na cruz, nem ressuscitar dos mortos, mas cremos nesta verdade pela Palavra de Deus, que está escrita, mesmo que todo o mundo científico, histórico e filosófico diga o contrário. Essa é a mesma fé que Abrão teve quanto à promessa divina. A promessa dada ao patriarca não foi pensada apenas para ele, mas para nós, hoje, para que Abraão se torne exemplo de fé para a humanidade.

Portanto, tanto na antiga como na nova dispensação, a justificação é pela fé. (4.23,24) Os que viveram antes de Cristo foram justificados pela, fé da mesma maneira que somos justificados, na atualidade. Deus é o mesmo, e o método da salvação, em ambas as dispensações, também é o mesmo. Abraão foi justificado pela fé, assim como nós o somos hoje. Há total consistência entre o Antigo e o Novo Testamento na maneira de Deus salvar o pecador.

 

CONCLUSÃO

Paulo deixa claro que o Evangelho que pregava não era novidade. É a mesma religião que Deus revelou a Israel. Ele pregava a continuidade daquilo que foi dado ao povo no Antigo Testamento. Ao mesmo tempo, demonstrou a corrupção do judaísmo, que tem como princípio a salvação pelas obras da Lei. Paulo, também afirmou, que Abraão é pai de todos aqueles que creem em Deus, sendo judeus ou gentios. Assim, buscou eliminar as barreiras que existem entre cristão judeus e não judeus.

 

 

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